Maquiavel e o mundo corporativo – O leão, a raposa e o cordeiro.

No mundo corporativo alguns buscam a ascensão para um cargo de liderança, outros visam manter e prosperar nos seus, e há ainda aqueles que estão inertes ao jogo corporativo.

Para quem vive nesta realidade, algumas dúvidas podem pairar em suas mentes:

Por que algumas pessoas ganham mais destaques do que outras?

Por que mesmo fazendo tudo certo não tem tanto reconhecimento?

Por que umas pessoas são promovidas e outras com as mesmas habilidades não são?

Por que mesmo sabendo que tal pessoa não é tão “boa” assim ela foi promovida?

Será que o RH não vê algumas coisas que eu fiz? Tenho tudo para ser líder mas outra pessoa que nem tem todas as habilidades foi promovida, e eu não!

e por aí vai…

Antes de Maquiavel, muitos haviam escrito sobre o príncipe ideal, dotados de princípios éticos e virtudes. Como já mencionado no post anterior, ele nos mostra o oposto, nos mostra o que príncipes antigos fizeram para se alçar e se manter nos altos cargos. Ele não falava em bons comportamentos, mas sim nas qualidades que são necessárias para a perpetuação de seu Estado e poder, qualidades estas que não eram necessárias possuir, mas ao menos aparentar.

Recentemente ouvi uma pessoa mencionar indignada que seu líder afirmava para o VP que até o final do ano entregaria o que foi prometido e durante o decorrer do ano ele se comprometia com mais outras coisas, e assim com frequência acontecia…

Enquanto me contava, ele estava perplexo com algumas promessas, principalmente porque seu gestor sabia que não iria cumprir e sequer que tal demanda era possível – “parece que aqui as pessoas têm memória fraca, elas até lembram da meta que tinham que atingir mas esquecem que tal pessoa deu sua palavra e se comprometeu a entregar, e depois no final do ano, inventa uma desculpa e fica por isso mesmo” conta.

Esse é só um simples exemplo de tantas coisas que os líderes prometem para deixar seus superiores felizes no momento, e depois inventam uma desculpa para não terem cumprido – faz parte do jogo. Não que não tenha consequências, mas é melhor prometer e deixar o outro mais tempo com sorriso de satisfação do que ser conhecido como o do contra, que tudo é tão difícil e no final não ter o apreço das pessoas chaves, sem contar que no meio de outras entregas feitas, uma ou outra acaba sendo apenas detalhe e posteriormente esquecida.

Há uma passagem em O Príncipe que é perfeita neste exemplo: “…em nossa época vê-se por experiência que os príncipes que realizam grandes feitos deram pouca importância à palavra empenhada e souberam envolver com astúcia a mente dos homens, superando por fim aqueles que se alicerçaram na sinceridade”. (O Príncipe XVIII).

Pois é, esse é só um exemplo dentre tantos que acontecem dia a dia. Você já deve ter presenciado situações parecidas com essas ou como mencionado acima, se questionado como é que algumas determinadas pessoas conseguem o que querem apesar de não serem assim tão virtuosas, boas…

Como disse o autor, “se um príncipe quiser o poder, muitas vezes será forçado a não ser bom”.

Então, quais são as qualidades necessárias de um bom líder?

Maquiavel escreve que um príncipe deve usar ambas as naturezas, a de homem e de animal. A de homem faz o uso das leis e a de animal, faz uso da força. Quando a primeira não basta, convém fazer uso da de animal. Segundo ele, dentre os animais, deve-se escolher o leão e a raposa – o leão com sua força, grandeza, aparência e imponência; a raposa esperta, dissimulada, ardilosa, que sabe voltar-se para onde sopram os ventos.

Contudo, é necessário fazer uso dos dois. O leão não pode defender-se das armadilhas e a raposa é indefesa diante dos lobos; como raposa conhece-se as armadilhas e o leão afugenta os lobos. Portanto, aquele que souber valer-se da raposa se sairá melhor, desde que saiba camuflar essa natureza, pois, um príncipe deve aparentar ser bom.

Já os cordeirinhos, aqueles que são sempre bons, dóceis, dotados de bons comportamentos, que estão preocupados em seguir as regras, fazer tudo certo, serem justos e honrar sua palavra, esses podem pecar e ser engolidos pelos leões e raposas do mundo corporativo. Ah, quantos líderes que conhecemos como bons e justos e que não foram para frente, quantos que foram preteridos ou tiveram pessoas preteridas de suas equipes porque outros tiveram prioridades, privilégios e se fizeram mais ‘importantes’. Não faltam exemplos, e imagino que você já tenha visto isso em algum lugar.

Por fim, fica a reflexão do autor: Todavia a distância entre o como se vive e o como se deveria viver é tão grande que quem deixa o que se faz pelo que se deveria fazer contribui rapidamente para a própria ruina e compromete sua preservação: porque o homem que quiser ser bom em todos os aspectos terminará arruinado entre tantos que não são bons. Por isso é preciso que o príncipe aprenda, caso queira manter-se no poder, a não ser bom e a valer-se disso segundo a necessidade. (O Príncipe, XV).

 

Sobre a autora:

Letícia Klostermann é formada em psicologia, já enfrentou dragões, serpentes e o canto da sereia no meio corporativo e hoje depois da metamorfose dedica-se à Psicologia e ao Coaching (Psiquê explica!) por que também acredita no potencial de transformação das pessoas. De tão curiosa que é estudou um pouco mais de história & relações internacionais, terapia cognitivo-comportamental e atualmente filosofia.

 

Crédito Imagem: pixabay.com


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