Trabalhando no inferno

Já trabalhei em lugares muito bons, outros mais ou menos e alguns ruins. E também já fiz estágio no inferno. Foi tão ruim, mas tão ruim, que mantive a experiência fora do currículo por medo de só o nome do lugar dar zica, de tão carregado. Como dizem os mais (in)cultos, o bagulho era tenso.

Entrei para substituir uma pessoa cujo escopo de trabalho a chefe desconhecia completamente. Na hora da contratação o cargo era de atendimento, puro e simples; quando fui conversar com a demitida, como se não bastasse a situação péssima por isso ser feito apenas entre nós duas, descobri que ela fazia muito mais coisas: ainda produzia conteúdo para uns trocentos sites e ninguém tinha me falado, até porque não sabiam. Quando pedi para a chefinha fazer uma reunião com ambas para colocar tudo às claras, ela não quis. Tinha horário com o personal para exercitar os glúteos.

Todo mundo reclamava, o dia-a-dia era pesado, muito difícil. A chefe continuava mais preocupada com o treino do que em efetivamente liderar. Nunca tinha tempo para conversar e chegou a me dizer com todas as letras: “não tenho tempo de falar com você e explicar seu trabalho”. Como assim? Eu deveria falar com quem então, o porteiro do prédio? Chefe excelente que era, obviamente não tinha tempo, mas criticava as decisões que eu tomava depois de tentar desesperadamente interrompe-la em sua série de abdominais, sem sucesso.

O peso foi aumentando.  Vi o sócio da chefe destratar a copeira no meio da empresa. Pediu um café com leite e, ao saber que não tinha o adoçante orgânico do Himalaia que só ele tomava, soltou um sonoro “isso não é problema meu!”. Deu uma vontade louca de virar para o esquentadinho e dizer “calma fofo, vou ali ao banheiro e te arrumo um adoçante orgânico rapidinho”. O mais legal é que a missão da empresa fala em conduta ética e justiça.

Veio a gota d’água. No dia em que precisei sair no horário, ou seja, às 18:00,  pois tinha marcado uma consulta às 19:00 para examinar uma possível conjuntivite (olha que falta de comprometimento), veio uma gerente, recém contratada como um degrau a mais para eu não interromper o fitness da chefe, reclamando por eu ter que ir ao médico e querendo me brindar com o acúmulo de todo o trabalho do gerente de projetos que havia acabado de picar a mula. Atendimento + produção de conteúdo + gerenciamento de projetos? Posso pensar? NÃO!

Diante da minha negativa, ela veio com uma cobrança das mais manjadas: onde estava a minha proatividade? Nesse momento, no auge da minha ira e da minha indignação, virei para a dita cuja e soltei uma das pérolas criadas durante minha jornada no mundo corporativo: “PROATIVIDADE TEM LIMITE!”. Peguei minha bolsa e fui ver o doutor. Não deu dois dias, piquei minha mula também. Que alívio!

 

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Paula Sanches

Formada em Comunicação Social, é do tempo em que não se tinha nem computador na firma pra todo mundo. Começou como estagiária pegando café e “tirando xerox” e seguiu pelo mundo corporativo até a empresa em que estava falir. Continuou por conta própria entre freelas e novos projetos e escrevendo umas coisinhas aqui e acolá, até que veio parar aqui para contar histórias e dar suas opiniões sarcásticas sobre o mundo corporativo, mesmo sem ninguém pedir.


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